O que as cisões dentro dos movimentos não-heterossexuais (para evitar siglas cada vez maiores) nos dizem? O que pensar de gays “discretos” que explicam o preconceito sofrido por gays que, para eles, não sabem se comportar? Ou de certos grupos não-heterossexuais que não se sentem ameaçados pelos riscos sofridos por travestis ou transgêneros? Ou de causas do movimento LGBTTUVXZ(whatever) que só dizem respeito a uma parcela dos não-heterossexuais? E da invisibilidade lésbica? Talvez isso nos diga um pouco sobre a falta de altruísmo e solidariedade, ou sobre problemas com identificação ou até sobre baixa auto-estima mas, acima de tudo, isso reforça que o valor primordial da homofobia é a misoginia. É a evidência mais lógica de que o ódio pelas mulheres prevalece e que a nossa sociedade ainda é dirigida por valores patriarcais. O homem gay “discreto” pouco representa enquanto gay para a sociedade e, muito menos, para os movimentos de luta por respeito. Enrustido, confortável em seu cargo executivo e com seu poder aquisitivo, não sofre preconceito e a tão falada homofobia só o atinge no que é tangível às questões jurídicas, ele dificilmente conhecerá a violência. A verdadeira vítima dessa homofobia é o homem “gay social”, o visivelmente homossexual, definido por seu comportamento “afetado”. E o que é a “afetação” senão a mimese de uma série de comportamentos culturalmente relacionados à “mulherzinha”? A figura do homem gay, não representa ameaça aos homofóbicos enquanto um Ser social isolado, mas no que ele representa enquanto subversão do gênero masculino, entenda, como portador de um pênis. Esses são espancados nas ruas de qualquer cidade do mundo na intenção de destruírem a mulher que, em algum nível, ele comporta. Há aquela máxima da cultura misógina, até relativamente útil (quando respeitada), que diz que não se deve bater em mulher, mas um “viado” não é uma mulher, ou é? A violência homofóbica é a válvula de escape de um sistema que se multiplica em infinitos fatores repressivos que, mesmo quando violentos, são assimilados com qualificações de valores culturais pelos próprios oprimidos mas que, na violência direta e crua, precisa encontrar meios de burlar suas próprias normas tendenciosas de boa conduta. A luta pelo direitos das mulheres e dos não-heterossexuais se une por um fator bastante lógico. O opressor é o mesmo: a aplicação de uma cultura androcêntrica e heteronormativa pela figura de um homem que, na pós-modernidade, se mostra compassivo e progressista, mas carrega consigo princípios seculares de subjugação feminina que encontra respaldo uma vez que são introjetados pelas vítimas nascidas imersas nesse sistema. Por isso mulheres não se sentem representadas pelo discurso feminista, o backlash, reação de oposição à questionamentos da ordem vigente que ganharam visibilidade, implantou nas mentes dessa geração a ideia de que o feminismo é o antônimo de machismo e minou muitas das possibilidades de identificação por parte das mulheres. E mais, apregoou a imagem de feministas como sendo mulheres ranzinzas e infelizes. Numa análise mais profunda percebemos como o anti-feminismo é um tiro no pé por denotar ainda mais misoginia. As feministas são constantemente taxadas de (a)”gordas”, (b)”mal-comidas” e (c)”mal-amadas”: a) Partindo do padrão estético atual onde gordas são tratadas com inferiorioridade e relacionadas com uma série de defeitos de personalidade, é um adjetivo que quase sempre vem acompanhado de outro escárnio, “gorda ridícula”, “gorda tosca”, “gorda escrota” são exemplos. A patologização, quase nunca está relacionada a fatores de saúde, mas aparece sempre que a mulher foge do padrão estético criado e mantido por homens cuja hierarquia seria “gostosa”>”magrinha”>”gorda”, sendo as duas primeiras posições variáveis de acordo com o local do mundo de que se trata, para o macho comum, a mulher só é reconhecida como tal enquanto material de masturbação. O neologismo “gordice”, muito usado atualmente, é um substantivo representando o procedimento realizado pela gorda ou gordo e deixa bastante claro o preconceito, uma vez que só é empregado para explicar uma atitude ou comportamento estúpido, idem para “negrice” para o racismo. b) O macho comum constantemente “fode” ou “come” ou invés de “fazer sexo” ou “transar” que representaria uma relação consensual de troca entre dois seres (ao menos no dicionário), pois parece dar preferência a relações destrutivas. “Comer” pressupõe a morte e o consumo de uma das partes para a sobrevivência da outra. Pela negatividade ligada à expressão “mal-comida” supõe-se sempre que a outra parte almeja ser comida e, no processo de digestão, o resultado é sempre … c) “Mal-amadas” sempre por homens, é claro. No patriarcado, a mulher só se completa na presença de um macho, a mulher solteira ou lésbica é muitas vezes (quase sempre) privada de seu reconhecimento de gênero. No casamento, uma das instituições máximas do patriarcado, o rito final evidencia a cooptação do gênero feminino, o sacerdote encerra dizendo “eu vos declaro marido e mulher”, ao invés de “marido e esposa”. O homem, pela cerimônia, passa a ter o papel de marido sem abdicar de todas as suas potencialidades, funções e papéis, enquanto a mulher só a partir desta se torna mulher ou tem sua função limitada à de esposa. Essa passagem nos diz que ser mulher é ser “mulher de alguém”. Interpretar o ato de ser amada como uma boa coisa também pressupõe o reconhecimento do amor enquanto um sentimento verdadeiro, puro e igualitário quando, o que ele realmente representa, é um artifício macho-made para a manipulação de mulheres. O amor romântico é criação de homens para homens num esforço de tornar a subjugação de mulheres uma questão poética e suave aos ouvidos, acalmando seus anseios naturais por liberdade. O preconceito à mulher lésbica é ainda mais destrutivo. Se, por um lado, a lésbica é odiada por não dedicar sua manifestação sexual aos homens, por outro ela é desejada num contexto de assimilação de sua imagem pela indústria do sexo. A lésbica-produto passa por um processo de “higienização estética” na programação midiática patriarcal, pois agrupa todo o leque de padrões construídos e relacionados à mulher consensualmente bonita: cabelos longos, corpo curvilíneo, depilada, seios grandes, lábios carnudos, nariz fino, maquiada. Padrão este que se apropria do fetichismo pedófilo no intuito de criar a imagem de uma mulher frágil e submissa, a pornografia hardcore é bem mais explícita nessa representação e filmes com temática escolar, onde as atrizes usam uniformes de colegial, de líderes de torcida ou aparecem de maria-chiquinha e baby-doll da Hello Kitty em um quarto rosa cercadas por bichinhos de pelúcia. É a infantilização do sexo ou sexualização da infância, a pedofilia não se mostra apenas em casos isolados, mas representa um mercado grande e lucrativo. Essas lésbicas fazem parte da fantasia de todos os homens educados pela pornografia também pois, no fim das contas, não são lésbicas. Na cena seguinte contracenam com um homem e é isso que querem pensar, que uma mulher só compartilha a cama com outra para a satisfação de um macho central. É uma bissexualidade idealizada no modelo sex-positive dos liberais e que já se torna praticamente compulsória em alguns setores da sociedade esclarecida, como diz no vídeo do primeiro kit-gay falho de Dilma, “tenho muito mais opções de parceiros”. Ficam invisibilizadas, nesse sistema, as lésbicas que se recusam a compactuar com o modelo de beleza®, as butches (lésbicas masculinizadas), são inclusive privadas de seu reconhecimento enquanto mulheres, pois não servem nem à pornografia, nem à outra função que os machos queiram atribuí-las em sua servidão, esses que se sentem ameaçados no que representam enquanto fortes e viris, atributos monopolizados pelos machos.
Homens gays além de não reconhecerem o que tangencia sua opressão e a das mulheres, estão diretamente relacionados à construção e a perpetuação de seu padrão estético opressivo. Ele não só o idolatra e o reproduz, afinal, travestis e transgêneros não raramente querem usar saltos, alisar os cabelos (procedimento induzido também, por racismo), se depilar e fazer cirurgias, mas também contribui para aplicação sistemática desse padrão. Cabeleireiros, maquiadores, colunistas de moda, estilistas, fashionistas, todos setores profissionais povoados quase sempre majoritariamente por homossexuais, quando homens. O homem gay moderno modela a mulher que será consumida pelo homem heterossexual. Transgêneros devem sim ter todos os direitos que qualquer cidadão e merecem atenção especial no que diz respeito à segurança por serem caçados nas ruas das metrópoles. A atual interpretação patológica do fenômeno trans é, sem dúvida, homofóbica (ou transfóbica), mas igualmente lastimável é o ideal estético que eles culminam por interpretar como uma vontade inerente a sua personalidade. Homens tornados mulheres podem tirar proveito de todas as suas vantagens de homens, enquanto integrante de uma sociedade falocêntrica, ao mesmo tempo em que conseguem se esquivar das opressões femininas cotidianas. O discurso biologista povoa os círculos de discussão de não-herossexuais com bastante frequência. Exigem respeito porque não escolheram nascer assim, querem justificar suas preferências sexuais em algum lócus gênico da “não-heterossexualidade” e não percebem o quão homofóbico esse discurso pode ser. É como patologizar, isentar-se de culpa por um comportamento que parecem julgar degenerado, como se não desejassem protagonizar a razão pela qual são denegridos. Por dialética, poderíamos dizer então que aquele que é responsável por sua sexualidade pode legitimamente sofrer preconceito? A luta por direitos não deve ser pautada por determinismos, passos na luta contra a homofobia não podem ser medidos na aceitação que os de sexualidades “naturalmente divergentes” atingem, mas poderemos falar em progresso quando a sociedade for capaz de aceitar qualquer manifestação de gênero e sexualidade independente de suas causas. Por que então lutar por algo que você não é responsável nem sente orgulho? Levante as mãos e grite ao mundo que quer seja lésbica, gay, trans…você tem orgulho disso! E, mais que isso, orgulho de ser mulher! Saiba reconhecer oprimido e opressor, pois a homofobia tem por base ou, geralmente, único fator, a misoginia. Gays são odiad#s porque mulheres são odiadas. Unam-se! Pois quanto mais divisões forem estabelecidas entre os não-heterossexuais e divisões entre as mulheres, mais deficiente ficará o combate contra o verdadeiro opressor.
“Sexismo é a fundação onde toda a tirania está construída. Toda forma social de hierarquia é moldada com base na dominação do homem sobre a mulher.”♥Andrea Dworkin